quinta-feira, 25 de junho de 2009

A revolução do bom senso

Considerável energia tem sido dedicada a compreender os grandes paradoxos da civilização: caos e ordem, ignorância e conhecimento, miséria e riqueza, servidão e liberdade, entre outros. Porém, os resultados mais significativos para melhorar a vida têm sido conseguidos pela combinação de reflexão e ação para eliminar os pequenos problemas do dia-a-dia. O fundamento necessário não é nem o famoso método científico, nem o perigoso senso comum, mas o bom senso.

O bom senso, segundo nosso amigo Aurélio, significa a "aplicação correta da razão para julgar ou raciocinar em cada caso particular da vida". Pela definição, vê-se que sua prática exige muita experiência e reflexão, embora o conceito seja simples e não dependa de teorias sofisticadas. Essa revolução tem sido ensaiada por muitas organizações públicas e privadas e, até mesmo, por cidades inteiras, estando presente em qualquer movimento que mobiliza o potencial humano para: ordenar o caos, manter a cidade limpa, dar boa utilização aos recursos materiais e humanos, criar consciência ecológica, educar o povo para a saúde preventiva e despertar o amor ao conhecimento.

O movimento que tem mobilizado as organizações humanas no Brasil para essa revolução tem sido articulado com o nome de 5S, ou seja, os cinco (bons) sensos de: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Poderíamos, para efeito mnemônico, dar-lhe o nome alternativo de UOLSA. Os resultados conseguidos até o momento são muito significativos, e têm sido amplamente reconhecidos: melhoria das condições de trabalho e das relações humanas; exercício da criatividade; combate ao desperdício; diminuição de custos e organização de empresas para a implantação de sistemas obrigatórios e voluntários de: controle da qualidade, segurança do trabalho, saúde ocupacional e proteção ambiental.

UTILIZAR bem os recursos materiais e humanos, suprindo carências onde elas existam e eliminando os excessos onde se manifestem, é um imperativo categórico da vida civilizada. No plano nacional, implica estancar os desvios intencionais de recursos públicos, bem como as perdas por gerenciamento ineficiente. A inteligência de todos e cada centavo disponível devem ser aplicados para banir a miséria deste País, tornando-o justo e seguro para nossos filhos e netos.

ORDENAR o caos, que gera improdutividade nas organizações e má qualidade de vida para o cidadão, é uma necessidade inadiável. O caos que nos atormenta reflete-se imediatamente nas péssimas condições de trabalho; na falta de fluxos otimizados nos sistemas de produção; na ausência de comunicação visual adequada nas vias públicas; nos sistemas de informações pré-históricos dos órgãos públicos; nas filas nos bancos, entre outros aspectos negativos.

LIMPAR e higienizar é necessário para a conservação do patrimônio físico, além de criar a necessária assepsia para a saúde. A reincidência de doenças decorrentes da falta de higiene deve servir-nos de alerta. A limpeza de equipamentos e bens materiais significa conservação de recursos, enquanto a higiene pessoal gera saúde e bem-estar; no aspecto ambiental, significa comportamento ecológico; no trabalho, significa fazer bem feito; nas relações humanas, significa eliminar os ruídos da comunicação e estabelecer o apego ao relacionamento honesto. Aqueles que querem levar vantagem em tudo são fonte de sujeira social.

SAÚDE física e mental é condição indispensável para uma eventual felicidade na Terra. Utilização, ordenação e limpeza/higiene são a base da saúde e da apreciação estética. Além disso, a criação de hábitos saudáveis de vida, seguindo as melhores práticas aprovadas pela tradição e recomendadas pelos especialistas, é uma necessidade urgente para todos. Não podemos nos esquecer de que a conquista da saúde, em sentido pleno, passa pela reflexão mais abrangente e de longo prazo sobre a civilização doentia em que vivemos, que induz ao consumo destrutivo e à vida tóxica.

AUTODISCIPLINA é o objetivo maior da educação integral. Ela tem a ver com o desenvolvimento do autocontrole, da ética da responsabilidade e da cidadania a partir de ações práticas em relação à utlização, ordenação, limpeza/higiene e saúde. O crescimento em autodisciplina implica fazer fluir o desenvolvimento humano como um todo, tornando-se perene pela alternância entre a aprendizagem, a execução e a inovação.

Monitorando-se o processo para que os desafios lançados não estejam muito acima da habilidade da pessoa ou do grupo, nem muito abaixo, evitam-se tanto a ansiedade quanto o tédio paralisadores da ação e criadores de estresse indesejável. Desta forma, será possível fazer fluir o potencial instalado pelo movimento de potencialização e realização do potencial humano, com a devida inserção de momentos de reenergização e apreciação estética.

As palavras-chave para a efetivação do movimento gravitam em torno de: liderança, mobilização, diálogo, criatividade, respeito pelo outro, reflexão e ação. A sua prática tem demonstrado que, entre a contemplação filosófica inoperante e a ação destituída de reflexão, existe uma terceira opção: integrar pensamento, sentimento e ação na construção democrática permanente de melhores condições de trabalho e de vida, por mais precárias que sejam as condições iniciais.

* João Martins da Silva, professor-adjunto da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor do livro "O Ambiente da Qualidade na Prática - 5S"

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