terça-feira, 8 de setembro de 2009

CCQ: a Universidade no chão da fábrica

RESUMO
Este artigo é uma reflexão sobre o CCQ – Círculo de Controle da Qualidade - como organização do trabalho que torna realidade a Universidade do Trabalhador, no chão da fábrica e do escritório.

1 INTRODUÇÃO
O trabalho em equipe é uma necessidade imposta pelas condições de existência do ser humano. Karl Marx reconheceu-o como fundamento contraditório da fábrica capitalista; Abraham Maslow afirmou que as pessoas crescem resolvendo problemas em equipe; Erich Fromm recomendou a formação de redes de estudos e de trabalho em equipe para a transformação social em larga escala. Até mesmo Einstein, reconhecidamente apegado ao isolamento criativo, tinha o seu grupo de trabalho informal.

Nas empresas, uma das formas de capacitar os trabalhadores para o desempenho superior consiste em incentivá-los a montar equipes voluntárias de estudo e de solução de problemas, nos seus locais de trabalho. Geralmente denominadas CCQ’s - Círculos de Controle da Qualidade -, essas equipes são voluntárias e funcionam por tempo indeterminado, o que facilita a criação de ambientes de aprendizagem por toda a empresa e por toda a vida. Tais equipes propiciam a satisfação de algumas necessidades sociais, de estima e de autorealização dos trabalhadores.

Emílio Y. Sakai, após trabalhar com e refletir sobre os CCQ’s por mais de 25 anos, na NGK do Brasil e na Fiat Automóveis, afirma que: “O CCQ visa a proporcionar a preparação de profissionais ( trabalhadores) capazes de dominar a qualidade. Isso quer dizer que eles tornam-se aptos para manter a qualidade do processo produtivo/administrativo em que atuam garantindo, assim, a satisfação dos seus clientes. Sabendo utilizar técnicas e métodos apropriados, evitam que os problemas aconteçam e, caso não consigam evitar alguns deles, podem identificá-los e soluciona-los, imediatamente, antes que provoquem maiores danos."

O movimento dos CCQ’s teve origem no Japão na década de 1960, alcançando grande repercussão no Brasil na década de 70. Na década de 80 ele foi combatido pelo sindicalismo, tendo sido praticamente extinto. Após ser repensado para o contexto brasileiro, o movimento foi reintroduzido, com sucesso, na década de 90.

2 O CCQ E O MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Resolver problemas seria uma atividade mais eficiente e eficaz com o uso do ‘método científico’, de acordo, por exemplo, com Descartes, Galileu Galilei e Newton. Einstein julgava possuir uma forma de pensar identificável, que usava para resolver problemas, tendo-a descrito no livro Notas Autobiográficas. As descrições desses grandes homens sobre suas formas de pensar e de resolver problemas são extremamente simples. Isso leva a crer que, apesar de poderem ser úteis, não representam propriamente métodos, mas uma lógica que não pode ser ensinada por meio de passos mecânicos. O que faz a diferença, quando todos usam o mesmo algoritmo estruturado para a ação, é a capacidade de o agente pensar e encontrar o ponto-chave. Por sua vez, essa capacidade só pode ser adquirida ao longo do tempo, pela permanente combinação entre ação e reflexão, não tendo relação direta com o grau de escolaridade formal.

Grandes especialistas na análise da forma como o conhecimento é gerado, entre eles Karl Popper, epistemólogo e lógico de grande reputação, acreditam que “o método em ciência consiste em se aprender com o erro”. Para tais estudiosos o método, se existe, é simples e intuitivo, estando ao alcance de qualquer pessoa. Contudo, sua execução, no caso de situações novas, pode depender de genialidade, flexibilidade mental e humildade para se levar em consideração qualquer idéia, independente de sua origem.

Os japoneses, especialmente após sua derrota militar em 1945, assumiram que todos os seres humanos têm potencial para resolver problemas que pode e deve ser atualizado e utilizado no trabalho. Compreenderam a necessidade de formatar um ‘método’, associado a ferramentas apropriadas para a sua aplicação. Tal método foi estruturado como PDCA – do inglês Plan, Do, Check e Act ou, em português, Planejar, Executar, Verificar e Atuar -. O PDCA é estruturado em vários passos, geralmente oito, com subpassos que constituem um espécie de lista de verificação para se levarem em consideração todos os aspectos relevantes para a identificação e a solução de problemas.

Uma respeitável empresa sediada no Brasil concluiu, recentemente, que o método, com suas ferramentas típicas, estava sendo imposto de forma dogmática, gerando o desinteresse dos circulistas. Propôs, então, um método mais livre, ao qual chamou de ‘Ver e Agir’, o que deu novo impulso ao movimento na empresa. Isso nos permite fazer uma analogia com o desenvolvimento da capacidade intelectual: deve-se partir de conceitos e ferramentas simples, promover a evolução dessa capacidade usando métodos e ferramentas progressivamente mais sofisticados para, finalmente, dar autonomia total ao estudante, que se torna graduado, especialista, mestre ou doutor.

Na 13a Convenção Mineira de CCQ, realizada no dia 25/05/04 pela UBQ – União Brasileira para a Qualidade -, fez-se uma pesquisa junto a trinta e seis circulistas para obter sua posição em relação ao método e à importância do CCQ para eles. 100% deles concordaram que o CCQ contribuiu para o seu crescimento pessoal e capacidade de resolver problemas em equipe. 100% concordaram que necessitam de um método detalhado para efeito de treinamento. 98% deles gostariam de ter mais liberdade para trabalhar dentro do método.

Os dados esclarecem que, do ponto de vista do método, para efeito de treinamento, os CCQ’s têm sido bem conduzidos. Entretanto, percebe-se que os circulistas têm um desejo de mais autonomia. Isso sugere que eles precisam conhecer melhor como pensam os grandes cientistas, engenheiros e estrategistas, capazes de ultrapassar as limitações de um método dogmático, e de criar o método e usar as ferramentas adequadas à natureza do problema investigado. É essa liberdade, possível nos casos em que há competência instalada, que está associada aos graus de especialista, mestre e doutor.

3 O CCQ COMO SUBSISTEMA DE ORGANAZIZAÇÃO DO TRABALHO
Uma referência mundial de boas práticas do CCQ é a Toyota Motors, possuidora do modelo de gestão mais copiado do mundo. O Sistema Toyota de Gestão (STG) é composto de: i) um objetivo geral permanente, centrado na conquista da prosperidade compartilhada; ii) a contínua melhoria da produtividade, com a qualidade sendo definida pelo cliente; iii) a organização do trabalho em diversos subsistemas e iv) o gerenciamento da força de trabalho de forma compatível com as exigências da natureza humana.

No STG, o CCQ é apresentado como um dos subsistemas de organização do trabalho. Ele não se caracterizaria pelo uso de um método específico, mas pelo domínio dos métodos e das ferramentas, progressivamente mais complexas, capazes de mobilizar a inteligência e elevá-la ao longo da vida, tornando o trabalhador cada vez mais produtivo e realizado, como preconizou Kaoru Ishikawa.

No caso do STG, está implícito o pressuposto de que os trabalhadores devem receber um salário básico suficiente para satisfazer suas necessidades fisiológicas e de segurança e que, a partir daí, suas necessidades sociais, de estima e de autorealização podem ser acionadas como motivadoras e enriquecedoras de suas vidas. Outro ponto importante é que os trabalhadores têm, no caso da matriz japonesa da Toyota, a certeza de poder compartilhar dos resultados da empresa ao longo de suas vidas.

Ressalte-se que, sob a perspectiva de Kaoru Ishikawa, seu criador, e da Toyota, a empresa que melhor o implementou, o CCQ viabiliza a Universidade do Trabalhador, no chão da fábrica. As equipes de CCQ´s tornam-se, informalmente, especialistas, mestres e doutores em solução de problemas. Aprendem a aprender, praticando e refletindo, e exercitam o conviver. Assim, o CCQ contribui decisivamente para a saúde e a credibilidade da empresa. Seu efeito mais notável nas pessoas que é que desenvolvem os sensos apropriados a uma vida produtiva e responsável.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O CCQ deve ser tratado como uma forma de organização do trabalho que promove a aprendizagem por toda a vida, capacitando os trabalhadores para o desempenho superior. Numa analogia com a Universidade e o esporte, os CCQ’s poderiam ser classificados por categoria, de acordo com o grau de evolução das equipes.

Especificamente quanto ao uso do método e suas ferramentas, aqueles grupos que tiverem demonstrado completo domínio dos mesmos – nível de mestres, doutores e faixas-preta – poderiam ser dispensadas de seguir roteiros pré-estabelecidos pois, dominando-os, podem adaptá-los à situação. Para evitar o desestímulo, eventuais competições só deveriam ser incentivadas entre equipes da mesma categoria.

O CCQ é importante para a promoção da saúde e da prosperidade da empresa; é importante para que o trabalhador seja produtivo e realizado; enfim, contém grande potencial de contribuir para a transformação social brasileira, ajudando a preparar o trabalhador da era do conhecimento.

Para conhecer mais sobre o tema, consulte www.ubq.org.br.

BIBLIOGRAFIA
ISHIKAWA, Kaoru. CCQ Koryo: princípios gerais do CCQ. Tradução de Márcio Nishimura, 1985.
______________. How to Operate QC Circle Activities. JUSE – Japanese Union of Scientists and Engineers. Tokyo, 1985.
CHAVES, Neusa Maria Dias. Caderno de CCQ. Editora de Desenvolvimento Gerencial, 2000.
CAMPOS, Fernando A Lomelino. Uma Investigação do CCQ sob a Perspectiva da Solução de Problemas. Dissertação de Mestrado, PPGEP/UFMG, 2004.