terça-feira, 28 de abril de 2009

Os valores como fonte da riqueza coletiva

Ainda que a riqueza material constitua uma plataforma para a existência humana, o sentido da vida é ditado pelos valores que permeiam a sociedade. Nas condições atuais, em que já existe riqueza capaz de resolver os problemas básicos do País, impõe-se-nos a retomada dos valores como condição necessária, embora não suficiente, para a concretização da riqueza coletiva.

A meta suprema do ser humano na Terra é realizar o seu potencial propriamente humano, como querem os humanistas materialistas, ou divino, como querem os humanistas cristãos. Em ambos os casos pode-se concordar com a importância fundamental de algumas virtudes cardeais orientadoras da vida sã que, segundo Platão, seriam: justiça, coragem, temperança e sabedoria. Essas virtudes, quando exercitadas permanentemente, fariam desabrochar a verdadeira essência humana, permitindo que, apesar de todos os inconvenientes da existência terrena, se possa alcançar um estado de prosperidade, paz e felicidade nos planos individual e coletivo.

Refletindo sobre o que chamou de ilusão, tanto do socialismo científico quanto das religiões em geral, Freud destacou a constituição intrinsecamente contraditória do ser humano, possuidor de impulsos simultâneos de vida e de morte que o predisporiam tanto à imposição quanto à aceitação do sofrimento gratuitos, independente da prosperidade material. A solução freudiana para o impasse apontado está alinhada com a receita que é comum à filosofia, à religião e à política: educação que leve ao autodomínio, em ambiente de amor e trabalho. Maslow, o grande psicólogo humanista, propôs tomar como referência para a educação do homem integral os modelos de homens sadios pois, segundo ele, o pessimismo de Freud decorria do fato de ele ter estudado homens doentes.

Assim, apesar da variedade de visões de mundo, há margem para um ecumenismo social centrado no cultivo de alguns valores universais, ainda que persistam divergências sobre a natureza da organização social ideal. Esta conclusão, referendada pelos experimentos históricos, é hoje reforçada pela própria natureza, que começa a reagir e a punir a humanidade por suas ações irresponsáveis, seja por falta de conhecimento, seja por falta de orientação por valores universais. Estão ai, para todos verem, a exclusão social, o efeito estufa, a exaustão de recursos naturais e a doença da vaca louca.

De acordo com a ONU, a prática dos valores universais, hoje, passa pela integração do aprender a ser, do aprender a conviver, do aprender a fazer e do aprender a aprender. Paulo, o grande divulgador do cristianismo, sugeriu que, enquanto não se conhece o que é perfeito, deve-se minimizar os efeitos colaterais da ação com fé, amor e esperança, expressões que, traduzidas para o contexto secular, poderiam significar, hoje: crença no potencial humano, solidariedade e visão de futuro.

Pensando de forma operacional, a partir do núcleo comum da existência civilizada, é preciso agir tendo em mente: i) o desenvolvimento de uma consciência da finitude dos recursos naturais, ii) a necessidade de pesquisar a agir segundo uma ordem que promova a eficiência da ação, iii) a necessidade de transparência e pureza de intenções, iv) a atenção permanente às condições da vida saudável para toda a sociedade. A autodisciplina, qualidade-síntese ressaltada por todas as filosofias e grandes religiões, seria tanto a causa como o efeito da evolução consciente.

No fundo, tudo de que precisamos saber para viver em paz, aprendemos nos nossos primeiros anos de vida: compartilhar, respeitar, amar, evitar brigas, dizer muito obrigado e pedir desculpas. São os valores que deveriam permear toda a nossa vida, mas dos quais nos esquecemos mais tarde. Em síntese, são os valores que nos iluminam na escuridão da nossa ignorância.

terça-feira, 21 de abril de 2009

As três dimensões da mudança

Qualquer mudança que pressuponha a obtenção do comprometimento das pessoas por ela afetadas deve levar em consideração as dimensões física, lógica e emocional, pelo simples fato de que o ser humano só se sente pleno quando estas dimensões se integram e se harmonizam.

A aquisição de novos equipamentos e sistemas, a revisão de processos e estrutura organizacional , bem como a padronização são exemplos de mudanças físicas que podem gerar "saltos quânticos" nos resultados das organizações. Mudanças físicas são as mais fáceis de serem implementadas, mas não se sustentam sozinhas. As decepções a médio e longo prazos com as soluções vendidas nas famosas "caixas pretas" estão ainda vivas em muitas organizações públicas e privadas.

A mudança de natureza lógica significa um passo decisivo para o domínio da tecnologia embutida nas mudanças físicas, bem como uma nova postura no sentido de manter, melhorar e criar novas soluções. Consiste no exercício criativo do raciocínio e pressupõe coragem de ousar acreditar no potencial humano disponível. A essência dessa mudança não está na aprendizagem em si, mas no domínio da tecnologia da aprendizagem. "Quem sabe ler e escrever, e tem potencial mental, pode fazer qualquer coisa". O próximo nível de mudança, entretanto, é o mais difícil de se conseguir mas, sem ele, a própria mudança de natureza lógica fica comprometida.

A mudança de natureza emocional é necessária para suportar os dois primeiros tipos de mudança a longo prazo. "Sem trabalho, a vida apodrece; mas quando o trabalho não tem alma, a vida míngua e morre" disse Albert Camus. Trata-se de substituir o medo, a ansiedade, a insegurança e a falta de auto-estima por sentimentos positivos. Confiança, entusiasmo e satisfação no trabalho são os verdadeiros combustíveis das organizações excelentes.

A abordagem emocional pode ser feita em diferentes níveis, em ordem crescente de dificuldade. Pode-se iniciar essa mudança com a simples aplicação de técnicas de relações humanas de efeito comprovado: colocar-se no lugar do outro, ouvir ativamente e mostrar interesse pelo ouvinte são atitudes fundamentais para provocar mudanças nos interlocutores. Entretanto, se não houver uma profunda reflexão sobre os valores pessoais e pressupostos sobre o ser humano, pode-se estar diante de manipulações apenas, e não de mudanças verdadeiras . A mudança auto-sustentável do estado emocional de toda a organização não é possível enquanto a alta administração e o corpo gerencial assumirem implícita ou explícitamente que o homem é um "organismo não confiável" Por outro lado, pressupostos positivos apenas não bastam. A sua concretização só se manifesta na prática quando for implantado um sistema de reconhecimento do valor da contribuição das pessoas para a organização.

O movimento de produtividade que se iniciou no mundo ocidental sempre privilegiou o aspecto físico e, parcialmente, o lógico. Já os japoneses, percebendo a necessidade de integração entre os três níveis, deram ênfase especial ao aspecto emocional, compensando uma deficiência crônica do estilo ocidental de gerenciamento. É difícil distinguir se esse enfoque depende de uma tradição cultural antiga ou se foi uma simples adaptação às necessidades do pós-Guerra; entretanto, é certo que ele tem sido seguido de forma consistente. Sua importância pode ser compreendida por várias declarações apresentadas a seguir.

Citado por Imai (Kaizen: A Estratégia para o Sucesso Competitivo, Editora IMAM), Kohei Goshi, fundador do Japanese Productivity Center, declara: "Enquanto os esforços para elevar a produtividade foram dirigidos na maior parte do tempo ao lado técnico no ocidente, os nossos esforços foram dirigidos à elevação do nível de satisfação do operário no local de trabalho (...)". Konosuke Matsushita, da Panasonic (Revista Veja, 22/7/92), assim expressa a importância do aspecto emocional: "Nós vamos ganhar e a indústria ocidental vai perder. Não há o que fazer, porque as razões do fracasso estão dentro de cada um". Para Yuzuru Itoh, presidente do Centro de Controle de Qualidade da Matsushita, a força motriz necessária para que um fabricante possa produzir um produto de boa qualidade é "a alma dos trabalhadores". Muitas outras declarações impressionantes sobre o peso do aspecto emocional envolvido no "estilo" japonês podem ser encontradas no livro de Mauray (A Vez do Empresário Japonês. Edições Loyola). Deve-se ressaltar que, em nenhum momento, os enfoques físico e lógico são descuidados na abordagem japonesa.

Scherkenbach (O Caminho de Deming para a Melhoria Contínua. Editora Qualitymark) tem se dedicado a interpretar e aplicar as mudanças revolucionárias preconizadas pela Gerência da Qualidade Total, através dos ensinamentos de Deming (Qualidade: A Revolução da Administração. Editora Marques-Saraiva). O autor propõe uma síntese operacional entre filosofia e ciência e analisa em detalhe as mudanças nos níveis físico, lógico e emocional necessárias para a realização de mudanças realmente profundas. É importante ressaltar que quando profissionais da área de ciências exatas falam em mudanças, geralmente destacam o aspecto físico e, parcialmente, o aspecto lógico (que depende de conhecimento de epistemologia). Já os profissionais da área de ciências humanas geralmente enfatizam as mudanças de natureza emocional. Em ambos os casos não haverá mudanças profundas.

Cada um desses profissionais, atuando de forma independente sob os paradigmas de suas respectivas especialidades poderá atuar como verdadeiro empecilho às mudanças que o momento exige. Tampouco seria encontrada a solução ideal pela simples justaposição dos mesmos. Na maioria das vezes os seus campos de especialidade distanciaram-se tanto que não há mais linguagem comum entre eles. Os responsáveis pela direção das mudanças necessárias poderão vir de quaisquer áreas do conhecimento, desde que tenham uma adequada compreensão do Saber Profundo (Veja as obras de Deming e Sherkenbach, já citadas). Especificamente, precisam aprender a usar, de forma integrada: Teoria dos Sistemas; Teoria da Variabilidade; Teoria do Conhecimento e Psicologia, além de aprenderem a integrar os níveis físico, lógico e emocional nos processos de mudança de que participem.

Outro aspecto a considerar refere-se à procura do equilíbrio entre a dependência e a independência entre as pessoas dentro das organizações e entre as organizações. O estilo japonês, por exemplo, caracteriza-se pela extrema interdependência, enquanto o estilo americano, tradicionalmente adotado no Brasil, ressalta a independência total, incentivando o individualismo e a competição interna. Parece ser mais adequado para a situação brasileira um posicionamento intermediário entre a interdependência e a independência dentro e entre as organizações. A dependência em relação ao cliente é, entretanto, necessária à sobrevivência e à melhoria contínua. Temos muitos exemplos de organizações que, sentindo-se independentes em relação ao cliente, promovem verdadeiros festivais de desperdício.

A abordagem à mudança conforme apresentada pressupõe uma poderosa síntese entre filosofia e ciência, criando as condições objetivas para que o ser humano possa realizar o seu potencial e viver uma vida significativa. Seria desejável que essas mudanças ocorressem de forma natural, a partir de decisões baseadas apenas no desejo de servir melhor ao próximo, mas o que se observa, na realidade, é que dependem do confronto consciente dos interesses dos clientes, dos empregados, dos acionistas e da sociedade. Não havendo demanda ou competição para atender às necessidades dos diversos públicos envolvidos com as organizações, tudo mudará para continuar como sempre foi!

terça-feira, 14 de abril de 2009

A questão dos temperamentos

Entre as mais populares classificações do temperamento humano citam-se a de Hipócrates, com base nos humores – colérico, sangüíneo, melancólico e fleumático - e a de Jung, baseada na introversão ou extroversão das faculdades - sensação, sentimento, pensamento e intuição -. Entretanto, há uma classificação bastante realista, embora não muito popular, de William Sheldon. Essa classificação, citada no livro Filosofia Perene, de Aldous Huxley, baseia-se nas faculdades humanas universais do sentir, do agir e do pensar, características que se destacariam, respectivamente, nos temperamentos viscerotônico, somatotônico e cerebrotônico. A caracterização a seguir refere-se aos tipos extremos, embora todas as características listadas se manifestem numa mesma pessoa e, de forma indistinta, nos tipos médios.

Os viscerotônicos teriam, entre outras tendências, a amabilidade indiscriminada, o amor às cerimônias, o amor às pessoas enquanto pessoas, a necessidade de afeição e apoio social e a necessidade de outras pessoas nos momentos de dificuldades. O temperamento somatotônico teria, como traços dominantes, o amor à atividade muscular, a agressividade e o desejo de poder, a indiferença à dor, a insensibilidade no que concerne às outras pessoas, o amor ao combate e à competição, o alto grau de coragem física. Já o cerebrotônico teria pouco ou nenhum desejo de dominar, nem teria a simpatia indiscriminada do viscerotônico pelas pessoas; ao contrário, quer viver e deixar viver, e sua paixão pela intimidade é intensa.

Afirma Huxley que “o dever de um homem, o modo como ele deve viver, aquilo em que deve acreditar e o que deve fazer no respeitante às suas crenças – tudo isso é condicionado por sua natureza essencial, sua constituição e temperamento.” A diversidade de modos de ser implica a necessidade de aceitar a diversidade humana pelo simples fato de ela existir. Assim, poderiam ser evitados muitos conflitos étnicos, religiosos e todo tipo de perseguição do diferente.

Quando o ser humano, consciente de sua necessidade de evoluir, procura uma organização humana para se realizar não deve, portanto, escolher apenas aquela que acolhe prontamente o seu temperamento, mas aquela que o ajude a superar a sua natureza naqueles aspectos que, conscientemente, elegeu como sendo necessários ao próprio aperfeiçoamento. De forma idêntica, as organizações devem estar atentas ao fato de que a diversidade das pessoas que a compõem representa não apenas a possibilidade de conflitos, que demandam esforço para serem administrados, mas uma fonte potencial de criatividade. Sabe-se que a diversidade alimenta o caos criativo necessário à evolução cultural da humanidade.

É importante ressaltar que, ao contrário do caráter, que depende da história de vida, o temperamento faz parte da constituição essencial do ser humano. A educação pode até reprimi-lo, evitando que ele se manifeste de forma extrema, mas não pode, realmente, mudá-lo. Neste texto destacou-se o temperamento exatamente para caraterizar o absurdo de se tratar de maneira uniforme pessoas que são, na sua essência, diferentes. Entretanto, é justificável, como afirma o cientista Maturana, promover mudanças no fazer, a partir do diálogo coletivo que demonstre a necessidade de um certo fazer e não de outro.

Se os temperamentos dependem de aspectos biológicos que estão fora do controle das pessoas, o autoconhecimento poderia, conforme nos ensinaram Freud e Jung, evitar que esses temperamentos se tornem orientadores absolutos da ação. A cultura consiste exatamente no cultivo de hábitos e costumes que sejam adequados à sobrevivência e ao convívio num certo contexto, embora possa, como ocorreu na era vitoriana, exagerar nas suas exigências. Uma grave conseqüência dessas exigências exageradas seria a acumulação de reservas de energia passíveis de explosão violenta por motivos aparentemente insignificantes. Uma solução genérica, portanto, consiste em direcionar essas fontes de energia para a produtividade, ao invés de permitir que elas se manifestem de forma destrutiva.

terça-feira, 7 de abril de 2009

O fator emocional

Desde tempos imemoriais o homem tem sido chamado a assumir o controle de seus desejos e emoções. Essa é a principal mensagem, por exemplo, da Bhagavad Gita e da Bíblia Sagrada. Platão, Spinoza, Freud, Wilhelm Reich e, mais recentemente, Daniel Goleman, ressaltaram o papel fundamental das emoções no comportamento humano.

Platão afirmou que o comportamento humano deflui de três fontes principais: desejo, emoção e conhecimento. Spinoza afirmou que a chave da liberdade está no autoconhecimento que leva ao controle das três paixões primárias: desejo, alegria e tristeza. Freud destacou a força de emoções de origem geralmente desconhecida como sendo as principais indutoras da ação humana. Na opinião do psicanalista Wilhelm Reich, a energia emocional, mal compreendida e mal utilizada, seria a principal praga, jamais combatida, que tem trazido sofrimento indizível para humanidade. Goleman reativou o interesse pelo tema em 1995 por meio do livro Inteligência Emocional.

Pesquisas recentes têm demonstrado que as pessoas nascem com certas características emocionais, ou temperamentos, dificilmente modificáveis embora, mediante árduo esforço, sejam passíveis de algum controle. O cérebro teria uma mente emocional, muito mais rápida do que a mente racional, sempre prenhe de certeza e pronta para reagir imediatamente diante de qualquer ameaça real ou aparente. A mente emocional, nos homens como nos animais, impulsiona à luta ou à fuga, um poderoso mecanismo de sobrevivência. O homem tem a alternativa, se for treinado para tal, de deixar fluir a emoção e agir racionalmente, mas raramente o faz.

A justiça brasileira absolveu, até recentemente, crimes bárbaros sob a alegação de ação sob forte impacto emocional. Muitos desses crimes foram praticados por homens armados contra mulheres indefesas. Se os perigos associados à irrupção violenta da emoção já são bem conhecidos, como lidar com a situação, individual e coletivamente?

Os gregos usaram o teatro como uma forma de catarse, simulando situações de alto impacto emocional. Já os romanos levaram os instintos destrutivos às últimas conseqüências, jogando cristãos aos leões famintos e promovendo lutas assassinas entre escravos gladiadores na presença de platéias enlouquecidas. O hinduísmo e o budismo propõem a meditação para a pacificação da mente. O islamismo, o judaísmo e o cristianismo têm a oração e o jejum como propostas comuns.

De uma maneira geral o teatro, a arte, o esporte, a música, a literatura, assim como o trabalho em ambiente propício, são maneiras de canalizar o fluxo da energia emocional que, de outra forma, poderia ser dirigido para a destruição. Atividades lúdicas têm sido usadas tanto na educação infantil, no treinamento de adultos e, até mesmo, como uma forma de aumentar o bem estar e a produtividade do trabalho.

Um método eficiente para relacionar-se de forma sincera, porém contornando eventuais tempestades emocionais, é a prática do padrão OCER de comunicação. É necessário ouvir atentamente, ainda que não se goste do que está sendo dito; compreender o que está sendo dito; enriquecer a conversa, reconhecendo aqueles pontos nos quais o interlocutor tem razão e, só então, responder colocando objeções à fala do interlocutor. Desta forma o encontro humano pode ser tornado sempre produtivo e alegre, evitando-se confrontações de conseqüências destrutivas.