sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Dificuldades inerentes à gestão integrada

Uma reflexão

Existe um número imenso de propostas de conceitos, métodos, técnicas e ferramentas de gestão para que as organizações alcancem os resultados necessários à sua sobrevivência, crescimento e perpetuação. Entre os sistemas que têm sido apresentados como abrangentes, alguns dos quais na moda atualmente, citam-se, entre outros: Administração Científica, Gestão pela Qualidade Total, Administração por Objetivos, Gestão Estratégica, Gestão pelas Diretrizes, Gestão para Resultados, Balanced Score Card, Gestão do Conhecimento, Sistema Toyota de Produção, Produção Enxuta e IS0 9000.

Em verdade, interessa apenas o sistema de gestão da organização, que deveria ser, por definição, integrado. Às vezes adotam-se várias nomenclaturas simultâneas, ou mudam-se essas nomenclaturas sucessivamente, gerando grande confusão e desconfiança. Em nome do predomínio da ação sobre a reflexão, como se não fosse necessário fundir as duas perspectivas, evita-se refletir sobre a essência do sistema de produção de bens e serviços. Assim, muitas vezes se confunde o método de solução de problemas, que pode ser moldado à vontade como expressão do método científico, com a organização para fazer a coisa acontecer. Confundem-se programas de capacitação permanente, que podem ou não produzir resultados imediatos, com intervenções tópicas para estancar perdas ou agregar valor ao empreendimento.

Entre as tentativas de nivelamento e uniformização de linguagem rumo a uma gestão integrada, destacam-se: 1) as estruturas sistêmicas indutoras contidas nos Prêmios Nacionais da Qualidade; 2) as estruturas sistêmicas normatizadas, como as Normas IS0 Série 9000; 3) as estruturas sistêmicas proposicionais, cujo melhor representante é o TQM japonês; 4) os modelos de gestão das organizações bem-sucedidas por longo período de tempo, como o da Toyota Motors. Existem muitos outros pacotes específicos, formatados com embalagens atraentes, que podem trazer resultados igualmente bons, em proporção ao fato de contemplarem a compreensão da essência dos sistemas de produção.

A gestão integrada deve partir da compreensão do trabalho real a ser feito, organizar o sistema produtivo de forma alinhada com a cadeia de produção e consumo, e articular princípios, métodos, técnicas e ferramentas para atingir os objetivos corporativos em sintonia com exigências técnicas, legais, éticas e comerciais. O sistema de gestão decorrente deve ser ágil, inteligente, energizado e conter uma vontade consolidada, o que exige muitos anos de trabalho árduo.

Adotando-se como referência o Sistema Toyota de Produção, inspiração maior para muitas entre as melhores organizações do mundo, pode-se ter uma visão panorâmica das dificuldades inerentes à construção de sistemas de gestão realmente integrados. Em primeiro lugar, poderíamos partir da própria definição de sistema como “um conjunto de partes interligadas que visam a um objetivo comum”. Ora, no Brasil, não há uma cultura de forte ligação entre os interesses do capital e do trabalho, principalmente quando há excesso de trabalhadores e carência de capital; assim, exceto em casos excepcionais, pode-se esperar uma zona de fraqueza permanente nas interfaces em que o ser humano esteja envolvido.

Como origem e destino dos resultados da organização, o ser humano deve representar o elemento integrador por excelência o que, devido às suas particularidades, restringe a margem de ação da organização. Como ser complexo, bio-psico-social, portador de objetividade e subjetividade, sonhador e realizador, forte e frágil, intrinsecamente contraditório, toda tentativa de ignorar essas caracterísitcas transformará o sistema integrado de gestão numa ilusão, e a organização numa máquina insensível, num hospital ou num hospício.

Reconhecendo Maslow, mas indo um pouco além dele, pode-se tornar ainda mais evidente as dificuldades de se fazer a gestão integrada ao rememorar alguns aspectos fundamentais das necessidades humanas. As exaustivas pesquisas de Fromm levaram-no à conclusão de que as condições de existência do ser humano impõem-lhe a necessidade de: 1) pertencer a um sistema que possa oferecer-lhe um quadro de orientação e devoção, 2) enraizamento, 3) sentimento de unidade consigo mesmo, 4) excitação e estímulo, 5) eficácia, e 6) consolidação do caráter. Quando tais necessidades não podem ser satisfeitas, no todo ou em parte, as pessoas tendem a adoecer. Seu comportamento poderá apresentar alta variabilidade, atingindo a apatia total, passar pela agressividade biologicamente adaptativa e chegar, no extremo, à agressividade destrutiva. Algumas pessoas fixam-se nesses estágios, consolidando, na linguagem de Fromm, um caráter improdutivo, ainda quando produzam muita riqueza material.

Tanto quanto possível, a Toyota construiu um sistema integrado a partir das e para as pessoas. Começou com a visão unilateral do capital, logo após a Segunda Guerra Mundial; foi intermediada no conflito capital-trabalho pelo governo japonês, que chegou a forçar o afastamento do presidente proprietário da empresa; e, por fim, fez um pacto de cooperação com os trabalhadores que é respeitado até hoje. Esses são os fundamentos latentes, e sempre esquecidos, do seu sistema integrado, construído paulatinamente por tentativa e erro e que, ainda hoje, a empresa considera estar em permanente construção para adaptar-se às condições sempre mutáveis do ambiente competitivo.

Atenta à saúde dos seus trabalhadores, a empresa faz constantes revisões de suas políticas, inclusive quanto à automação. O filme Fábrica de Loucuras ilustra o caso de uma unidade de produção da General Motors (GM) que, ao invés de ser submetida ao programa de automação da empresa, foi entregue à administração da Toyota. Consta que a fábrica tornou-se mais produtiva do que todas as fábricas automatizadas da GM, resultado que foi atribuído ao fato de a Toyota ter mobilizado o potencial humano disponível antes de partir para a automação impensada.

A Toyota é conhecida por compreender a dinâmica do conhecimento em sua extensão real, envolvendo a inteligência, a vontade e a emoção das pessoas, além da interação entre os aspectos tácito e explícito do conhecimento. Assim, a empresa pôde, desde sua fase heróica do pós-Guerra, conseguir resultados impressionantes a partir de recursos mínimos. Sua aprendizagem, contudo, não foi fácil. Em muitas ocasiões, até que ela tornou-se totalmente consciente de suas responsabilidades, eram comuns as mortes súbitas por excesso de trabalho.

O caso Toyota ilustra que a integração real dos sistemas de produção e de gestão, que atualmente pode ser acelerada pela tecnologia da informação, tem o seu elo crítico no ser humano. A integração inepta pode levar ao estabelecimento de sistemas incompatíveis com a saúde física e mental das pessoas, forçando-as a reagirem como guerrilheiras infiltradas no sistema desumano. Os bons resultados financeiros conseguidos no curto prazo podem, conforme demonstram muitas experiências, estar contaminados com poderosas bombas de efeito retardado.

As dificuldades de integração, em termos gerais, podem envolver: conhecimento, ética e saúde.

Quanto ao conhecimento, melhor seria pensar numa dinâmica do conhecimento, em permanente movimento; quanto à ética, é importante saber quais são os valores em curso, às vezes em conflito com o conhecimento e com o estado da arte da civilização. Quanto à saúde, em sentido pleno, é importante ressaltar que ela é o motivo fundamental que, em última análise, justifica a existência pacífica neste mundo. Sobreviver, crescer e perpetuar é, sob a perspectiva secular, a missão universal das pessoas, das organizações e dos países. As pessoas são, portanto, a origem e o destino dos resultados gerados pelas organizações, além de serem o elemento central da gestão integrada.

Do que foi dito até aqui, podem-se elencar algumas exigências para se construírem sistemas integrados e racionais de gestão: 1) partir de uma visão de futuro para o modelo de gestão integrada, mas construí-lo no dia-a-dia, de forma participativa; 2) apropriar-se da tecnologia da informação e da automação, mas estar sempre atento às suas ciladas; 3) mobilizar todas as pessoas para construir uma cultura de qualidade e produtividade, sempre atento às suas necessidades reais; 4) capacitar todas as pessoas para identificar e resolver problemas dentro da organização, atendendo a critérios de necessidade e conveniência; 5) fazer distinções entre processos abertos e fechados, independentes e interdependentes, sob e fora de controle estatístico e, com isso, diminuir as injustiças no julgamento de pessoas que, além de terem capacidades desiguais, estão submetidas a condições desiguais; 6) evitar que os sistemas formais do tipo IS0, e outros, engessem as pessoas e as impeçam de lidar, de forma apropriada, com os problemas reais, sempre incompatíveis com as exigências dos sistemas formais; 7) levar em consideração que o ser humano é frágil e falível, ainda que queira, às vezes, parecer durão e infalível.

As organizações, como sistemas artificiais complexos são, também, sensíveis, e apresentam alta variabilidade em aspectos vitais. Muitas de suas variáveis, bem como as interações entre essas variáveis, não são conhecidas. A consolidação de uma nova cultura organizacional pode exigir um longo período, como naquele caso do bambu chinês que fortalece suas raízes durante quatro anos para, no último ano, crescer cerca de 25 metros.

Desenvolver uma cultura de qualidade, produtividade e flexibilidade, para adaptar-se ao ambiente mutante, torna-se um grande desafio a ser vencido pelas organizações. Impor-lhes modelos artificiais rígidos pode ser o caminho mais curto para torná-las inaptas a se adaptarem ao ambiente dinamicamente competitivo. Essa é uma das grandes lições aprendidas quanto se analisam sistemas complexos (Leia-se WADDINGTON, C.H. Instrumental para o Pensamento).