sexta-feira, 25 de março de 2011

Engenharia de Gestão

Uma reflexão


RESUMO
Esta reflexão ilustra o fato de que foram os engenheiros que primeiro sentiram a necessidade de explicitar os princípios, o método e as ferramentas da gestão. Rigorosamente falando, eles apenas tentaram instrumentalizar o método científico aplicado aos processos produtivso. Assim, quando se fala em administração, ou gestão, sob a perspectiva da engenharia, podem-se usar termos do tipo: engenharia industrial, engenharia de produção e engenharia de gestão como possuindo sentidos cada vez mais amplos, mas sempre partindo do mesmo núcleo. Sob esta perspectiva, a engenharia evoluiu de um núcleo técnico e incluiu o humano, consolidando a idéia de sistema produtivo integrado, até o limite da cadeia produtiva completa.


1 Evolução da Terminologia
Frederick Taylor, um engenheiro, cunhou a expressão “administração científica”. Henry Fayol, outro engenheiro, cunhou o termo “administração industrial”. Os dois autores fizeram trabalhos complementares e independentes, compondo uma visão clássica da gestão que é prontamente reconhecida nos livros textos de administração. Taylor cuidou da eficiência da fábrica, sob um perspectiva técnica ampliada para a incorporação do homem, enquanto Fayol enfatizou os princípios de uma teoria geral da organização envolvendo a sua base técnica. Pode-se dizer que ambos estavam criando, juntos, o que mais tarde passou a ser chamado, numa perspectiva ampliada e progressiva, a engenharia industrial, a engenharia de produção e a engenharia de gestão.

Shewhart, outro engenheiro, focalizou o controle econômico da qualidade que Deming, engenheiro com doutorado em física e atuação como estatístico, adaptou ao conceito de dinâmica dos sistemas produtivos e ensinou aos japoneses. Deming, tendo participado da experiência de Howthorne, que estabeleceu a importância do trabalho em grupo, enfatizou junto aos japoneses a necessidade de respeito pelo ser humano e da compreensão do sistema produtivo integrado.

Simultaneamente com Deming, Juran, a partir de 1954, ensinou gestão aos japoneses, do ponto de vista da engenharia, tendo em vista a obtenção de qualidade do produto. Juran tomou emprestado conceitos que vieram do setor financeiro. Feigenbaum, em 1961, cunhou o ermo TQC – Controle da Qualidade Total, que os japoneses adotaram a adaptaram ao seu estilo, sob a liderança de Kaoru Ishikawa. Juran, Ishikawa e Feigenbaum têm em comum, entre outros fatores, o fato de serem engenheiros.

Coube à Associação dos Engenheiros e Cientistas Japoneses estruturar o modelo de gestão mais aceito no Japão e, posteriormente, difundido por todo o mundo. Na Toyota Motors, um grupo de engenheiros liderados por Taichi Ohno consolidou o Sistema Toyota de Produção que, a partir do livro A Máquina que Mudou o Mundo, passou a ser considerado um marco no avanço da gestão para todos os setores de atividades. Atualmente o Sistema Toyota está sendo copiado parcilmente com os nomes de WCM - Manufatura Classe Mundial, ou Lean - Produção Enxuta.

No Brasil, na década de 90, coube aos engenheiros Vicente Falconi Campos e José Martins de Godoy liderar o Movimento Brasileiro pela Qualidade, por meio da difusão da GQT – Gestão pela Qualidade Total, de inspiração japonesa. A GQT de então pretendia ser uma versão universal da gestão na versão brasileira recriada a partir da versão da JUSE - Associação de Cientistas e Engenheiros Japonseses.

O TQC japonês foi absorvido pela Marinha Americana, por meio de engenheiros, como TQM – Gestão pela Qualidade Total, conceito que foi, novamente, adotado pelos japoneses a partir de 1996 como constituindo uma evolução natural do próprio TQC.

Vannevar Bush, o engenheiro mentor e principal articulador do poderio americano baseado em ciência e tecnologia lastreadas no complexo de pesquisa e produção industrial-militar afirmou, em retrospectiva: “I was denseley ignorant. I knew a bit of phisics and mathematics. I had graduated in engineering. But I was not an engineer. An engineer has to know a lot about people, the ways they organize and work together, or against one another, the ways in wich business makes a profit or fails to, especially about how new things become conceived, analyzed, developed, manufactured, put into use. So I charged that invention off to experience... and I reoriented my thinking. In fact for the first time, I resolved to become a real engineer. I resolvedo to learn about men as well as about things.”

No Brasil, coube ao engenheiro Norbert Odebrecht formular a Tecnologia Empresarial Odebrecht, um modelo de gestão vitorioso.

Pela exposição anterior, vê-se que os engenheiros estão intimamente ligados ao desenvolvimento da gestão. Seja como engenheiros de base tecnológica à qual acrescentaram outros conhecimentos, seja como engenheiros industriais, ou de produção, ou de qualidade. Justifica-se, portanto, cunhar o termo Engenharia de Gestão para caracterizar a gestão sob o ponto de vista de engenharia, embora ela contenha todos os elementos da gestão em geral.


2 Visão Atualizada da Gestão
Seguindo, portanto, a tradição da engenharia, será adotado, neste texto, a estrutura geral do TQM, como evolução do TQC, formulado no Japão em 1996. Essa versão não pretende mais ressaltar aspectos típicos da cultura japonesa, mas apenas aqueles aspectos universais da gestão, passíveis de aplicação em qualquer ambiente, mediante as adaptações convenientes. O modelo geral é apenas uma indicação estruturada a partir da melhor experiência disponível, não pretendo impor-se com norma ou padrão para a gestão. De fato, ele pode ser recriado à vontade e, até mesmo, ignorado formalmente, visto que, naquilo em que está certo, qualquer modelo bem-sucedido inclui os seus fatores principais. O modelo, explicitado a seguir, receberá o nome de SIGQ: Sistema Integrado de Gestão pela Qualidade.

Forte liderança(1) da Alta Administração, e clara definição de visão e estratégias (1) de médio e longo prazos. Utilização adequada de conceitos, valores (2) e métodos e ferramentas científicos (3). Reconhecimento dos recursos humanos (4) e da informação (5) como fatores vitais. Consolidação de um sistema de gestão (6) que opere efetivamente um sistema de garantia da qualidade (7) e outros sistemas multifuncionais de custos, entrega, meio ambiente e segurança (8). Suporte de forças organizacionais fundamentais, tais como: tecnologia intrínseca, velocidade e vitalidade (9 a), boas relações com consumidores, empregados, sociedade, fornecedores e acionistas (9 b). Atenção permanente à missão, construção de uma presença respeitável na sociedade e auferição contínua de lucros (10).

O SIGQ, conforme apresentado em seus elementos gerais, é uma necessidade imposta pelo atual ambiente de negócios caracterizado, entre outros fatores, por: exigências sociais crescentes de transparência e cidadania empresarial; evolução da tecnologia da informação e globabilização; maior escolaridade e cobrança de mais humanidade e respeito por parte dos trabalhadores; aumento da incerteza devido a mudanças aceleradas na política, economia, sociedade e tecnologia. Os elementos de 1 a 10 serão discutidos a seguir.

(1) A visão diz respeito a aonde se quer chegar no futuro, e tem a função de alimentar a esperança e mobilizar as forças corporais e mentais dos membros da organização. A estratégia corresponde às decisões antecipadas sobre os passos a seguir para alcançar a visão, tendo em vista os diferentes cenários possíveis; enquanto a liderança se refere à capacidade de mobilização de corações e mentes para o alcance da visão. A conjunção de visão, estratégia e liderança da Alta Administração são o fundamento do sucesso ou fracasso, não podendo ser confundidos com os movimentos internos de busca de eficiência operacional, passíveis de delegação.

(2) Entre as palavras-chave relevantes de um SIGQ destacam-se: qualidade, aprendizagem, melhoria, inovação, gerência de processos, padronização etc.. Quanto aos valores, é importante ressaltar o respeito pelo ser humano, tendo em vista suprir suas necessidades de desenvolvimento ao mesmo tempo que se obtém sua contribuição para o desenvolvimento da organização e da sociedade. Nas condições atuais, diante da necessidade de volta aos valores universais, eles poderiam ser expressos de forma sintética como sendo: competência, integridade e solidariedade.

(3) Os métodos e ferramentas científicos são diversos, devendo ser constantemente avaliados quanto à sua aplicabilidade, numa hierarquia do tipo: universais, intermediários e especializados. Os métodos de solução de problemas poderiam, por exemplo, ser classificados quanto a sua aplicabilidade à solução de problemas com diferentes graus de dificuldade. O PDCA, entendido como uma versão instrumental do método científico, poderia, por exemplo, ser apresentado com diferentes níveis de complexidade, indicando-se as ferramentas sugeridas para a realização de suas diversas etapas, como é o caso das ferramentas universais que os japoneses denominaram as Sete Ferramentas da Qualidade.

(4) Os recursos humanos não são apenas meios para se atingir determinados fins, pois os seres humanos são fins em si mesmos. A organização representa o lugar onde se desenvolvem, satisfazem suas necessidades e conseguem meios de cuidar de suas famílias contribuindo, simultaneamente, para o desenvolvimento da organização, ajudando-a a criar uma presença respeitável na sociedade e obter lucro. Salário, segurança no emprego, educação e treinamento, ambiente social sadio, retroalimentação quanto ao desempenho, reconhecimento, crescimento profissional e outros benefícios fazem parte da boa gestão de recursos humanos.

(5) Exige-se o adequado uso da informação tendo em vista a gestão do negócio, considerando: informações sobre o ambiente de negócios; comunicação durante as operações; base de conhecimento tecnológico e base de dados sobre o cliente. É necessário que se tenha um sistema de informações com os seguintes componentes: base de dados; informações em tempo real; rede de informações etc. A organização deve reforçar sua capacidade de análise usando métodos e ferramentas analíticas para a extração, o processamento e a integração da informação, além de padronizar os modelos de se trabalhar com os dados.

(6) O sistema de gestão deve levar em consideração: a estrutura organizacional e sua forma de operação; o gerenciamento da rotina diária; o estabelecimento de diretrizes para o futuro; o relacionamento com programas específicos, tais como: TPM – manutenção produtiva total, JIT – no momento exato, ISO 9000, ISO 14000 etc; alem da promoção geral de uma cultura da qualidade por meio de conceitos semelhantes ao 5S, CCQ e Sistema de Sugestões.

(7) O sistema de garantia da qualidade deve ser aplicado a: planejamento do produto; produção propriamente dita; compras; vendas e serviços. A ISO 9000 contém os elementos principais para orientar o desenvolvimento de um sistema eficiente de garantia de qualidade.

(8) Um sistema de gestão multifuncional é necessário para cuidar daqueles aspectos comuns, tais como: custo, qualidade, segurança e saúde do trabalhador e meio ambiente. A gestão multifuncional consiste, basicamente, na promoção do encontro humano direcionado para identificar e resolver os problemas comuns às diversas funções da organização.

(9 a) Tecnologia intrínseca, velocidade e vitalidade exigem atenção especial, já que há uma tendência em considerá-los como algo à parte da gestão. Quanto à tecnologia intrínseca é necessário: dominá-la; conhecer o seu estágio no mercado; estabelecer estratégias; estar atento à questão das patentes e propriedade intelectual e estabelecer uma competência central (core competence).

(9 b) É necessário administrar as relações com todos os públicos que interagem com a organização: consumidores, empregados, sociedade em geral e acionistas, tendo em vista compatibilizar suas demandas, manifestas e latentes, com as possibilidades de atendê-las.

(10) Em última análise, o SIGQ, constantemente aperfeiçoado para aplicar-se à realidade, visa a ajudar a organização a atingir os seus grandes objetivos, que são: cumprir sua missão; construir uma presença respeitável na sociedade e obter lucro. Na forma como ele foi apresentado, trata-se apenas de um referencial, sem a pretensão de que o sistema seja adotado de forma rígida.


3 O Método Fundamental da Gestão
O jogo do conhecimento tem alcance global, e pressupõe visão sistêmica orientada para resultados. Depende, ao mesmo tempo, do talento individual e da capacidade de trabalho em equipe. Exige liderança que inicie e mantenha a ação, em ambiente emocional apropriado. Embora a organização e a disciplina sejam fundamentais, é preciso reconhecer que o caos pode ser uma importante fonte de criatividade, assim como o ócio.

O método fundamental da engenharia de gestão será aqui chamado de Dinâmica do Conhecimento, uma versão conveniente do método científico, seja para se aprender com as melhores práticas, seja para se promoverem pequenas melhorias ou, ainda, para romper com o status quo e alcançar patamares superiores de desempenho. Ele inclui um roteiro básico composto de: ideação, experimentação, sistematização e operação, além do contínuo questionamento sobre os resultados alcançados e a adequação dos meios para atingi-los.

A ideação consiste no processo de se pensar e representar a realidade, existente ou imaginada. Pode ser desdobrada em três passos seqüenciais: a obtenção das idéias-objetivo e das idéias-meio; o processamento das idéias, ligando os objetivos com os meios de atingi-los; e a formatação do plano de ação. Após a experimentação bem-sucedida, deve-se consolidar e estabilizar os sistemas produtivos para permitir que a sua operação gere resultados previsíveis.

A Dinâmica do Conhecimento representa o núcleo comum de todas as propostas sobre gestão, novas e antigas, tais como: Administração Científica, GQT, Sistema Toyota de Produção, Estratégia Seis Sigma, Reengenharia, IS0 9000, entre outras. Pode-se expressar o conceito na forma de um diagrama simples, ou formatá-lo de maneiras sucessivamente mais complexas para a ação quando, então, recebe nomes apropriados. Dominando o conceito universal, pode-se adequá-lo às situações particulares e, assim, compreender o verdadeiro significado da sopa de letras que tem proliferado no mercado.

Seja para tornar a organização mais saudável e competitiva, ou o indivíduo mais empreendedor, é preciso dominar a Dinâmica do Conhecimento. Às vezes, é necessário copiar e adaptar soluções pré-existentes; outras vezes é preciso aperfeiçoar o que está funcionando; outras, ainda, torna-se imperativo inovar e arriscar para se alcançarem resultados realmente significativos. Deve-se, entretanto, estar sempre atento a uma pergunta básica: satisfaz?

Os indicadores de desempenho são apropriados? Existem definições operacionais que tornem os processos objetivamente controláveis? As pessoas estão dispostas a pagar pelos bens e serviços produzidos? Os trabalhadores estão sendo tratados como seres humanos integrais e, efetivamente, transformando os seus potenciais em resultados? Os vizinhos das organizações estão sendo respeitados? O meio ambiente está sendo preservado para as gerações futuras? Os resultados financeiros são atrativos para os acionistas? Os meios usados estão compatíveis com os fins almejados? Os resultados são sustentáveis a longo prazo?

Rigorosamente falando, sempre existiu, existe e existirá apenas um tipo de gestão fundamental, a partir do qual podem-se derivar todos os demais: a Gestão da Dinâmica do Conhecimento.


4 Conclusão
Não há conflito entre engenharia e gestão, pois a engenharia propriamente dita, que cuida da parte tecnológica, precisa gerar resultados. E isso exige gestão. Portanto, ao se falar em engenharia, a palavra gestão deve estar implícita; enquanto, ao se falar em gestão, deve estar implícito que existe um sistema produtivo que parte da tecnologia intrínseca que, em outros tempos, atribuía-se à engenharia.

Pode-se falar, apropriadamente, do núcleo central do sistema produtivo, baseado em técnica, e do seu entorno, baseado em homens e sistemas. A engenharia, em sentido amplo, refere-se ao sistema total e, neste sentido, trata-se de uma Engenharia de Gestão.