segunda-feira, 27 de julho de 2009

Formação do autodidata

Autodidata não é aquele que aprende sozinho, a partir do nada, mas aquele que toma a iniciativa de aprender a partir dos recursos existentes; ele se torna, naturalmente, empreendedor. Formá-lo é, de acordo com a UNESCO, o grande objetivo da educação padrão mundial. Três são os fatores cruciais para a formação do autodidata: automotivação; materiais didáticos; e oportunidades para a realização de experimentos de aprendizagem. Ao sistema educacional cabe garantir que essas condições básicas estejam presentes, uma vez que o aprendiz já tenha as suas necessidades fisiológicas e de segurança satisfeitas.

Uma pessoa automotivada tem um propósito bem definido na vida, e sente que vale a pena lutar por ele. O propósito só é encontrado após um longo período de sonhos, de observação e de reflexão. Para encontrá-lo necessita-se, na maioria das vezes, de uma centelha iniciadora do processo. Cabe ao mentor – gerente, professor, treinador etc. - induzir essa centelha, diretamente, ou por meio de relatos de exemplos significativos e compatíveis com a realidade do aprendiz.

O segundo fator mais importante são os materiais didáticos. Esses materiais devem ser auto-explicativos, concisos, dotados de bons exemplos práticos e conter exercícios com grau crescente de complexidade, com a indicação de um caminho seguro para se chegar aos resultados, caso se tratem de problemas bem estruturados. Após aprender a lidar com situações estruturadas, deve-se preparar o aprendiz para extrair os conteúdos relevantes de qualquer situação, ainda que mal estruturada.

Quanto ao terceiro fator, a realização de experimentos, ele tem sido associado à existência de laboratórios caríssimos, mas isso não é necessário. Muitos experimentos de alto impacto podem ser realizados com materiais simples, em sala de aula ou em casa. Os norte-americanos, por exemplo, transformaram as garagens de suas casas em laboratórios no final do século XIX e início do século XX. Thomas Edison e Ford são os exemplos mais citados. O prêmio Nobel de Física Richard Feynman fez os seus experimentos básicos em eletrodinâmica brincando com pratos. A cozinha é um excelente laboratório.

A experiência japonesa de formação do trabalhador que aprende é uma das mais citadas e respeitadas. Por meio de uma versão estruturada e simples ao método científico, faz-se com que trabalhadores comuns ajam como cientistas e engenheiros em suas fábricas. Eles são preparados, num primeiro momento, por meio de simulações em sala de aula, usando materiais corriqueiros e de baixo custo. A partir dos experimentos realizados, os trabalhadores podem entender melhor a fábrica e, assim, diminuir os riscos associados aos experimentos sob condições reais. O Brasil tem aprendido a respeito, mas precisa adotar em massa as experiências bem-sucedidas de suas empresas e escolas.

É necessário fazer um grande esforço para mudar a cultura de passividade reinante, alimentada pelo sistema educacional atual, e avançar na formação do cidadão autodidata. Quanto às pessoas de alta maturidade, é preciso fazer com que ajudem às demais, num ambiente de aprendizagem colaborativa. O Brasil precisa, em benefício de todos, acelerar o processo de realização do potencial de sua gente!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O empreendedorismo ao alcance de todos

Na sua acepção mais universal, o termo empreender refere-se a “tomar a iniciativa e manter a ação para realizar a tarefa que se tem pela frente”. Sob essa perspectiva, pode-se empreender em qualquer situação que permita ou exija iniciativa. A base para isso está na aquisição de atitudes e hábitos fundamentais de organização, disciplina, persistência e coragem, entre outros.

Segundo a acepção acima, posso dizer que minha mãe foi uma grande empreendedora do cotidiano, embora ela nunca tivesse se envolvido com negócios. Diante das maiores dificuldades, ela sempre buscava e encontrava uma solução satisfatória. Deu suporte aos seus pais na criação de uma família numerosa, fazendo o trabalho pesado da fazenda e, assim, preparando-se para empreender sua própria família numa situação que exigia trabalho árduo. Durante uma crise existencial profunda vivida pelo meu pai, que se entregou ao alcoolismo, ela garantiu a sobrevivência da família. Buscou lenha no mato, lavou roupa para fora, colheu folhas e raízes e manteve sempre uma horta para completar a dieta alimentar dos filhos. Ela guardava de memória muitas receitas de coisas gostosas. De vez em quando, inventava variações e até novas receitas que nos surpreendia. Como empreendedora do cotidiano, ela impediu que a família sucumbisse.

Ajudei a promover a carreira de uma pessoa inteligente, mas que vivia em ambiente de passividade na infância. Ela morava na zona rural e estudou em escola pública considerada fraca; mesmo assim, ativei-lhe o interesse, com o respectivo apoio mínimo necessário. Sua evolução foi plenamente satisfatória. Ela fez curso técnico no CEFET e engenharia civil na UFMG, tendo estagiado em várias empresas, boas e ruins e, com isso, decidido o tipo de profissional que desejava ser para alcançar os seus objetivos. Tendo feito uma excelente rede de relações pessoais, terminou o seu curso de engenharia com emprego garantido numa multinacional, por indicação de um gerente que o conheceu num curso extra-curricular. Dois anos após formado já assessorava a diretoria de uma empresa japonesa na implantar um projeto de expansão no Brasil. Ela soube aproveitar a ajuda que teve, empreendendo a sua carreira a partir de uma situação difícil. Sua receita para quem deseja aprender com ele é: “estudar cálculo para aprender a pensar, fazer uma rede de relações sociais e pular como pipoca para dar conta do recado”.

Há um ditado que diz que, “para correr, é preciso aprender a andar”. Há outro, segundo o qual “uma viagem de milhares de quilômetros começa sempre com o primeiro passo”. Portanto, aprender a trabalhar bem pode ser uma grande estratégia para se empreender qualquer coisa. Um negócio é um experimento e, como tal, exige um período de aprendizagem das técnicas básicas, além da evolução dos experimentos mais simples para os mais complexos. Fazer pequenos negócios, desde cedo, pode ser a base para se fazerem grandes negócios no futuro. Contudo, o mais importante é aprender a conduzir com responsabilidade qualquer tipo de atividade e, assim, adquirir as qualidades necessárias para, se for conveniente, criar o próprio negócio. Algumas pessoas investem tudo que têm num experimento único e mal planejado, perdendo todos os seus recursos e esforços. Esse tipo de fracasso pode e deve ser minimizado; porém, caso ocorra, não pode ser motivo para desistência. Umas das características do empreendedor é exatamente “aprender com o fracasso”, correndo riscos calculados numa evolução programada de graus de empreendedorismo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Identidade

Todo ser humano precisa de identidade, própria ou tomada emprestada. Se própria, ele pode viver sozinho, se necessário, pois sabe quem é e para onde vai, ou pelo menos acredita nisso. Se emprestada, ele depende do grupo de uma forma mais intensa, o que pode torná-lo refém de erros e manipulações. Em geral a identidade própria combina-se com a identidade do grupo para dar ao homem um sentido para sua vida, um sentimento de que vale a pena viver e desenvolver as suas potencialidades.

A identidade, conforme pensada no plano corporativo, mas também válida para o indivíduo, é composta de missão, visão de futuro e valores. A missão refere-se ao objetivo qualitativo permanente assumido. A visão de futuro trata de um objetivo a ser alcançado num tempo previsível, podendo coincidir com a missão quando o tempo considerado for deixado em aberto. Os valores são os referenciais para a conduta, no plano qualitativo, expressando orientações para momentos de decisão críticos.

Uma declaração de identidade exige que se tenha, primeiro, vivido o que se declara ser, além de indicar aquilo que se pretende continuar sendo. Ela entrará em choque com a realidade, que poderá confirmá-la ou desmenti-la. Daí a necessidade de reflexão profunda antes de explicitá-la. Não havendo essa reflexão, melhor seria ‘ir levando’ até que se adquira maturidade suficiente, antes de declarar uma identidade falsa ou irrefletida. Contudo, ainda que não se a declare, ela está sendo observada o tempo todo pelo público próximo.

Certo empresário, após completar 45 anos de uma carreira considerada por todos como bem sucedida, resolveu estudar filosofia e outras ciências humanas. Concluiu que vivera uma identidade que valia a pena ser explicitada para facilitar o diálogo com os seus colaboradores. Ao explicitá-la, tirou o foco sobre si mesmo e colocou-a na sua empresa como serva da humanidade e do seu país. Consolidou uma missão, visão de futuro e valores universais, no seu caso alimentados por sua formação pessoal centrada em valores religiosos expressos na forma secular equivalente. Segundo esse empresário – o japonês Matsushita -, seu diálogo ficou mais fácil, tendo sido possível redirecionar o potencial humano corporativo para fins nobres compartilhados.

No plano individual, uma identidade nobre, expressa de forma genérica, poderia alimentar identidades particulares nobres, expressas com palavras apropriadas a cada indivíduo. Uma missão genérica poderia ser, por exemplo: “servir à Humanidade”. Uma visão de futuro poderia ser: “obter o reconhecimento do público pelo serviço realizado”. Os valores, expressos numa forma mais genérica possível, poderiam ser: “competência, integridade e solidariedade”. Essa proposta, embora deixe em aberto as palavras a serem usadas, trata-se de uma visão humanista compatível com o cristianismo.

Numa sociedade permeada pelos valores cristãos, espera-se que os líderes sejam servidores. Que o reconhecimento capaz de justificar a ação não venha somente do público mas, sobretudo, de uma consciência tranqüila pela realização do próprio dever. Sabe-se, ainda, que a ação deve ser, em primeiro lugar, competente, além de íntegra e solidária. Mas essa postura é compatível com qualquer filosofia ou religião que seja favorável à vida digna e abundante para todos.

Assumir e portar-se com esse tipo de identidade torna-se um ideal, e a própria justificativa de se viver num mundo que parece caótico e sem significado. No processo de construção dessa identidade, conforme acredito, manifesta-se a lei do amor universal e, portanto, o alinhamento com o Espírito Absoluto.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Simples, óbvio e difícil

Alguém já disse que “é óbvio, mas só para os sábios, que ser simples é a coisa mais difícil do mundo”. Outro sábio disse que “Tudo que é profundo é, em princípio, simples; mas, não é óbvio nem fácil”.

É muito difícil para o homem construir armas de alto poder destrutivo. É muito simples acionar os mecanismos de detonação dessas armas. Contudo, aquilo que parece mais simples – conhecer o próprio homem -, é muito difícil e, embora seja óbvio que isso é muito importante, quase ninguém o percebe. E assim caminha-se pela vida afora, desprezando-se o que é simples, não enxergando o óbvio e valorizando o que é difícil, embora o resultado final possa ser previsível de forma simples e óbvia: o desastre.

Frederick Taylor foi um engenheiro mecânico formado numa escala ruim, noturna, pois precisava trabalhar para sobreviver. Ele enxergou e praticou o óbvio – a organização racional da fábrica – e, com isso, fez a revolução da produtividade no início do século XX. Ele propôs que se pesquisasse a forma correta de trabalhar, se produzissem padrões simples e se treinassem todos os empregados para que pudessem fazer certo da primeira vez. Taylor, que também sabia produzir coisas complexas, teve de enfrentar a resistência dos operários e dos patrões para colocar em prática o simples e o óbvio.

Para enfatizar o fato de que Taylor era capaz de lidar com assuntos complexos, ressalte-se que ele teve de superar o conhecimento matemático da época para elaborar um modelo de corte de metais, o que exigiu que se inventasse a régua de cálculo. Ele levou cerca de 15 anos para dar conta do recado, mobilizando as melhores mentes que estavam ao seu alcance, nas melhores universidades americanas, incluindo Harvard. Ao final da pesquisa tudo ficou simples, e óbvio. Difícil mesmo continuou sendo convencer padrões e empregados de que tinham algum interesse em comum, e que deveriam lutar juntos pela aumento da produtividade, compartilhando os resultados com a sociedade.

Einstein resolveu um problema muito difícil, chegando a um modelo matemático simples sobre a relação entre matéria e energia. Esse modelo foi descoberto após muito esforço, pois não era óbvio. Entretanto, tornou-se óbvio que isso poderia ser usado para conservar ou destruir a vida. E o próprio Einstein, apreensivo de que Hitler se apossasse do segredo para escravizar e destruir, incentivou que um país livre tomasse posse dele primeiro, o que levou ao seu uso efetivo contra o Japão. Apertar o botão da bomba atômica foi simples. Difícil continua sendo convencer o ser humano de que os seus poderes mentais deveriam ser usados para enriquecer a vida e não para destruí-la.

Certa escola de alto prestígio tem um curso de engenharia muito difícil. Os alunos desse curso são vistos como zumbis que se dedicam dia e noite a estudar, o que os impede de viver. Muitos deles, após terminar o curso, passam a detestar engenharia. Alguns passam a descontar no próximo a frustração que desenvolveram, impondo a todos a maneira mais difícil de fazer qualquer coisa simples como sendo, obviamente, a mais digna da inteligência humana. Às vezes conseguem criar discípulos zumbis.

E assim caminha a vida, fazendo evoluir a tecnologia que facilita tudo e, ao mesmo tempo, escraviza o homem como alimentador de máquinas velozes. Como já disse alguém, o óbvio não ulula mais como antigamente, e o ser humano, cada vez mais inteligente, torna-se cada vez menos sábio, desprezando o simples para sentir-se importante com a sensação de dominar as coisas mais difíceis para, tornando-as simples, aumentar o poder de destruição da vida. É óbvio que isso é coisa de malucos!