terça-feira, 19 de maio de 2009

Os três ingredientes básicos das organizações humanas

A educação para a transformação social pressupõe que se capacitem os cidadãos para o autoconhecimento, o conhecimento do outro e da natureza. Mas, é necessário que eles compreendam, também, como funcionam as organizações humanas, por meio das quais dão a sua contribuição à sociedade e se humanizam por meio do trabalho. São três os ingredientes básicos das organizações: propósito, divisão do trabalho e coordenação.

Nas palavras vibrantes de Fuerbach, o propósito é o impulso vital consciente, optado e essencial, a visão genial, o ponto luminoso do conhecimento de si mesmo – a unidade de natureza e espírito no homem. Quem possui um propósito, diz Feurbach, possui uma lei sobre si; ele não só se conduz, mas é conduzido. O propósito da organização deve ser, portanto, compatível com os propósitos individuais dos seus membros, embora isso seja muito difícil de se conseguir.

A falta de propósito é uma grande desgraça. Uma inteligência superior, sem um propósito superior, torna-se menos produtiva do que uma inteligência menor com propósito. A constância de propósito, ou missão, torna sagrado cada minuto de vida da pessoa que a tem consciente e explicitamente. O desdobramento da missão deve gerar uma visão de futuro factível, além de metas a serem realizadas no curto prazo. A meta, sendo mensurável e verificável, gera motivação quando os resultados são considerados compensadores, quer financeira, quer psicologicamente.

A divisão do trabalho foi um dos fatores que possibilitaram a revolução industrial, embora a concentração excessiva da pessoa numa atividade restrita possa torná-la um ser humano incompleto. Daí a necessidade de que as pessoas tenham a oportunidade de variar suas atividades, ampliando seu espectro de competências até se tornarem, tanto quanto possível, multifuncionais, capazes de se livrarem, por iniciativa própria, tanto da ansiedade quanto do tédio em suas vidas.

Ninguém consegue fazer tudo, o tempo todo, de forma econômica. Ninguém deveria ser impedido de aprender tudo que quiser, tornando-se progressivamente uma pessoa mais completa. As competências distintivas naturais de cada pessoa, por outro lado, fazem com que elas se desempenhem melhor em certas atividades do que em outras, o que sempre será uma tentação para mantê-las como especialistas isoladas dentro dos complexos sistemas de produção atuais. Somente o bom senso oriundo do permanente diálogo e reflexão pode evitar os extremos da especialização e da generalização.

A coordenação é a atividade capaz de maximizar a produtividade do todo, mantendo as partes ajustadas entre si. Em grupos de alta maturidade ela ocorre com certa naturalidade. As pessoas e as coisas devem ser reposicionadas em função de suas características, talentos e competências, bem como em função das exigências ambientais. Toda pessoa pode, em princípio, coordenar algo, desde a execução de uma pequena tarefa, até a totalidade da organização humana produtiva. A coordenação, como está implícito no nome, é sempre uma co-ordenação.

O grau de liberdade dos agentes dependerá sempre de sua maturidade. Assim, liberalismo, democracia e autocracia impõem-se em função do grau de conhecimento, energia, inteligência e vontade de cada ator. O importante é que o potencial individual e coletivo sejam realizados de forma progressiva, permitindo-se a realização máxima do potencial disponível.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Qualidade e justiça

Não há quem saiba definir qualidade objetivamente, embora qualquer um saiba quando se está diante dela. O mesmo é válido para justiça. O dicionário Aurélio afirma que justiça é “conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um aquilo que é seu”, o que implica fazer valer o Código de Defesa do Consumidor, entre outros instrumentos legais. No caso da sobrevivência no mercado competitivo, é necessário ir além do cumprimento dos quesitos obrigatórios, e oferecer uma qualidade atrativa, capaz de encantar o cliente. A garantia da qualidade, quando não oferecida voluntariamente, é uma questão para a Justiça.

Na Grécia antiga, a capacidade de diálogo de Sócrates forçou o sofista Trasímaco a explicitar sua visão de justiça, fazendo-o ficar nu diante do público a quem usualmente enganava com suas artimanhas semânticas: “(...) – Eu declaro que a força é um direito, e que a justiça é o interesse do mais forte. (...). Ora, quando um homem tirou o dinheiro dos cidadãos e os transformou em escravos, em vez de ser chamado de trapaceiro e ladrão, ele é chamado de próspero e é abençoado por todos. (...). ” Para Trasímaco, aqueles que são contra a injustiça não o são por serem, eles mesmos, justos, mas por não serem os beneficiários da injustiça. Por outro lado, Nietzsche afirmou que, “com o aumento da competição, a qualidade torna-se mera aparência, vencendo aquele que melhor engana”. Sente-se na pele que os que vivem de enganar deturpam a justiça e engendram a má qualidade de vida.

Um advogado contou a um amigo meu algumas de suas experiências naqueles tempos em que o Brasil estava mais distante da justiça e da qualidade. Afirmou que, apesar de ser ateu, salvava as aparências como religioso, usando a Bíblia para emocionar, enganar e amedrontar subliminarmente cristãos ingênuos. Ele descreveu em detalhes algumas de suas atuações magistrais, capazes de condenar o inocente e absolver o culpado. Ressalvou que uma de suas estratégias para vencer consistia em excluir do júri, sempre que possível, as pessoas que tivessem lucidez e independência para compreender e rejeitar suas manhas. Enfim, meu amigo teve uma clara demonstração de que, no plano formal, a Justiça precede e dá sustentação à qualidade, mas que, no plano real, somente uma filosofia da qualidade pode fazer a Justiça funcionar bem. E isso implica a existência de homens justos.

Meu amigo percebeu que, para agir como cidadão, deveria associar um senso de qualidade a um senso de justiça. Para tal, adotou, entre outras, as seguintes estratégias: i) cercar-se de bons e justos profissionais do direito, ii) adquirir conhecimento histórico; iii) dominar as artimanhas da retórica para defender-se dos sofistas; iv) refinar sua inspiração criadora e sua coragem de agir. Na sua opinião, a construção de um Brasil digno deve partir do princípio da “conformidade com o direito e da decisão de dar a cada um aquilo que é seu”, mas isso não é suficiente. Em verdade, é necessário buscar superar as obrigações legais, e desenvolver um senso de responsabilidade para que a qualidade possa ser possível sem os formalismos da Justiça e que esta não se transforme numa trincheira para a defesa do direito mal adquirido.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Preceitos éticos universais

Ética é a parte da filosofia que estuda os juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto. O resultado de tal estudo são preceitos orientadores do comportamento humano saudável. A prática de tais preceitos exige que se tenha educado o homem para a disciplina consciente, ou autodisciplina, o que é bastante raro, embora desejável.

A partir da Declaração dos Direitos Universais do Homem, delineou-se um núcleo comum de uma ética universal capaz de orientar a ação: os preceitos da liberdade, da paz e da justiça como anseio e direito de todo ser humano. Levar em conta esses preceitos implica agir com espírito de fraternidade em todas as situações, incluindo aquelas de incerteza, quando cada passo à frente representa um risco que precisa ser corrido.

Esses preceitos foram expressos de muitas maneiras semelhantes por muitos luminares da humanidade, representantes de visões de mundo aparentemente diferentes. Uma das formas mais comuns de expressar tal preceito, comuns a todas as religiões, é por meio da Regra de Ouro, que sugere que façamos ao outro aquilo que gostaríamos que ele fizesse conosco o que, evidentemente, não se aplica a sádicos e masoquistas. Na versão de Imanuel Kant, o homem deveria comportar-se de tal maneira que o seu comportamento pudesse ser adotado universalmente.

Parodiando certo cristão primitivo, poderíamos dizer que “quando pudermos agir com base em conhecimento perfeito, não necessitaremos de opiniões e crenças; entretanto, enquanto isso não acontece, guiemo-nos pela fé, pelo amor e pela esperança, com especial ênfase para o amor, capaz de tudo perdoar e de dar significado à vida, mesmo quando ela pareça não ter nenhum”. Na impossibilidade da prática do amor, deveríamos, pelo menos, praticar a solidariedade e o respeito, duas bases sólidas legadas pelo avanço da civilização.

Cada passo que damos na vida, nós o fazemos baseado em conhecimento anterior, ou na suposição de que o bom senso nos ajude a decidir sobre o que fazer. Quando a situação é desconhecida, estaremos sempre diante de uma aventura, ainda que pequena. Nosso guia, portanto, além de um preceito universal, passa a ser a intuição, orientada, simultaneamente, pela fé e pela dúvida. Como sabemos, a dúvida é recomendável para se pesquisar, mas não pode reinar absoluta, sob pensa de levar as pessoas à loucura. Assim, as ações do dia-a-dia devem ser orientadas por princípios e regras de convivência decorrentes das lições históricas, isto é, preceitos éticos consensuais, sobre os quais não pairem dúvidas.

Quando se ignoram tais preceitos, prepara-se o caminho para a luta de todos contra todos. Nessa luta, apesar de os mais fortes e espertos sobreviverem num primeiro momento, somente os que se associam para defender interesses comuns têm futuro a médio e longo prazos. Esse processo doloroso, supõe-se, não precisa ser repetido entre seres racionais que, refletindo sobre o passado e o presente, tiram as lições de vida válidas para conduzir a vida para um futuro melhor. Essas lições de vida, para serem praticáveis, precisam ser expressas por meio de preceitos éticos universais, como a Regra de Ouro.