terça-feira, 14 de abril de 2009

A questão dos temperamentos

Entre as mais populares classificações do temperamento humano citam-se a de Hipócrates, com base nos humores – colérico, sangüíneo, melancólico e fleumático - e a de Jung, baseada na introversão ou extroversão das faculdades - sensação, sentimento, pensamento e intuição -. Entretanto, há uma classificação bastante realista, embora não muito popular, de William Sheldon. Essa classificação, citada no livro Filosofia Perene, de Aldous Huxley, baseia-se nas faculdades humanas universais do sentir, do agir e do pensar, características que se destacariam, respectivamente, nos temperamentos viscerotônico, somatotônico e cerebrotônico. A caracterização a seguir refere-se aos tipos extremos, embora todas as características listadas se manifestem numa mesma pessoa e, de forma indistinta, nos tipos médios.

Os viscerotônicos teriam, entre outras tendências, a amabilidade indiscriminada, o amor às cerimônias, o amor às pessoas enquanto pessoas, a necessidade de afeição e apoio social e a necessidade de outras pessoas nos momentos de dificuldades. O temperamento somatotônico teria, como traços dominantes, o amor à atividade muscular, a agressividade e o desejo de poder, a indiferença à dor, a insensibilidade no que concerne às outras pessoas, o amor ao combate e à competição, o alto grau de coragem física. Já o cerebrotônico teria pouco ou nenhum desejo de dominar, nem teria a simpatia indiscriminada do viscerotônico pelas pessoas; ao contrário, quer viver e deixar viver, e sua paixão pela intimidade é intensa.

Afirma Huxley que “o dever de um homem, o modo como ele deve viver, aquilo em que deve acreditar e o que deve fazer no respeitante às suas crenças – tudo isso é condicionado por sua natureza essencial, sua constituição e temperamento.” A diversidade de modos de ser implica a necessidade de aceitar a diversidade humana pelo simples fato de ela existir. Assim, poderiam ser evitados muitos conflitos étnicos, religiosos e todo tipo de perseguição do diferente.

Quando o ser humano, consciente de sua necessidade de evoluir, procura uma organização humana para se realizar não deve, portanto, escolher apenas aquela que acolhe prontamente o seu temperamento, mas aquela que o ajude a superar a sua natureza naqueles aspectos que, conscientemente, elegeu como sendo necessários ao próprio aperfeiçoamento. De forma idêntica, as organizações devem estar atentas ao fato de que a diversidade das pessoas que a compõem representa não apenas a possibilidade de conflitos, que demandam esforço para serem administrados, mas uma fonte potencial de criatividade. Sabe-se que a diversidade alimenta o caos criativo necessário à evolução cultural da humanidade.

É importante ressaltar que, ao contrário do caráter, que depende da história de vida, o temperamento faz parte da constituição essencial do ser humano. A educação pode até reprimi-lo, evitando que ele se manifeste de forma extrema, mas não pode, realmente, mudá-lo. Neste texto destacou-se o temperamento exatamente para caraterizar o absurdo de se tratar de maneira uniforme pessoas que são, na sua essência, diferentes. Entretanto, é justificável, como afirma o cientista Maturana, promover mudanças no fazer, a partir do diálogo coletivo que demonstre a necessidade de um certo fazer e não de outro.

Se os temperamentos dependem de aspectos biológicos que estão fora do controle das pessoas, o autoconhecimento poderia, conforme nos ensinaram Freud e Jung, evitar que esses temperamentos se tornem orientadores absolutos da ação. A cultura consiste exatamente no cultivo de hábitos e costumes que sejam adequados à sobrevivência e ao convívio num certo contexto, embora possa, como ocorreu na era vitoriana, exagerar nas suas exigências. Uma grave conseqüência dessas exigências exageradas seria a acumulação de reservas de energia passíveis de explosão violenta por motivos aparentemente insignificantes. Uma solução genérica, portanto, consiste em direcionar essas fontes de energia para a produtividade, ao invés de permitir que elas se manifestem de forma destrutiva.

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