terça-feira, 21 de abril de 2009

As três dimensões da mudança

Qualquer mudança que pressuponha a obtenção do comprometimento das pessoas por ela afetadas deve levar em consideração as dimensões física, lógica e emocional, pelo simples fato de que o ser humano só se sente pleno quando estas dimensões se integram e se harmonizam.

A aquisição de novos equipamentos e sistemas, a revisão de processos e estrutura organizacional , bem como a padronização são exemplos de mudanças físicas que podem gerar "saltos quânticos" nos resultados das organizações. Mudanças físicas são as mais fáceis de serem implementadas, mas não se sustentam sozinhas. As decepções a médio e longo prazos com as soluções vendidas nas famosas "caixas pretas" estão ainda vivas em muitas organizações públicas e privadas.

A mudança de natureza lógica significa um passo decisivo para o domínio da tecnologia embutida nas mudanças físicas, bem como uma nova postura no sentido de manter, melhorar e criar novas soluções. Consiste no exercício criativo do raciocínio e pressupõe coragem de ousar acreditar no potencial humano disponível. A essência dessa mudança não está na aprendizagem em si, mas no domínio da tecnologia da aprendizagem. "Quem sabe ler e escrever, e tem potencial mental, pode fazer qualquer coisa". O próximo nível de mudança, entretanto, é o mais difícil de se conseguir mas, sem ele, a própria mudança de natureza lógica fica comprometida.

A mudança de natureza emocional é necessária para suportar os dois primeiros tipos de mudança a longo prazo. "Sem trabalho, a vida apodrece; mas quando o trabalho não tem alma, a vida míngua e morre" disse Albert Camus. Trata-se de substituir o medo, a ansiedade, a insegurança e a falta de auto-estima por sentimentos positivos. Confiança, entusiasmo e satisfação no trabalho são os verdadeiros combustíveis das organizações excelentes.

A abordagem emocional pode ser feita em diferentes níveis, em ordem crescente de dificuldade. Pode-se iniciar essa mudança com a simples aplicação de técnicas de relações humanas de efeito comprovado: colocar-se no lugar do outro, ouvir ativamente e mostrar interesse pelo ouvinte são atitudes fundamentais para provocar mudanças nos interlocutores. Entretanto, se não houver uma profunda reflexão sobre os valores pessoais e pressupostos sobre o ser humano, pode-se estar diante de manipulações apenas, e não de mudanças verdadeiras . A mudança auto-sustentável do estado emocional de toda a organização não é possível enquanto a alta administração e o corpo gerencial assumirem implícita ou explícitamente que o homem é um "organismo não confiável" Por outro lado, pressupostos positivos apenas não bastam. A sua concretização só se manifesta na prática quando for implantado um sistema de reconhecimento do valor da contribuição das pessoas para a organização.

O movimento de produtividade que se iniciou no mundo ocidental sempre privilegiou o aspecto físico e, parcialmente, o lógico. Já os japoneses, percebendo a necessidade de integração entre os três níveis, deram ênfase especial ao aspecto emocional, compensando uma deficiência crônica do estilo ocidental de gerenciamento. É difícil distinguir se esse enfoque depende de uma tradição cultural antiga ou se foi uma simples adaptação às necessidades do pós-Guerra; entretanto, é certo que ele tem sido seguido de forma consistente. Sua importância pode ser compreendida por várias declarações apresentadas a seguir.

Citado por Imai (Kaizen: A Estratégia para o Sucesso Competitivo, Editora IMAM), Kohei Goshi, fundador do Japanese Productivity Center, declara: "Enquanto os esforços para elevar a produtividade foram dirigidos na maior parte do tempo ao lado técnico no ocidente, os nossos esforços foram dirigidos à elevação do nível de satisfação do operário no local de trabalho (...)". Konosuke Matsushita, da Panasonic (Revista Veja, 22/7/92), assim expressa a importância do aspecto emocional: "Nós vamos ganhar e a indústria ocidental vai perder. Não há o que fazer, porque as razões do fracasso estão dentro de cada um". Para Yuzuru Itoh, presidente do Centro de Controle de Qualidade da Matsushita, a força motriz necessária para que um fabricante possa produzir um produto de boa qualidade é "a alma dos trabalhadores". Muitas outras declarações impressionantes sobre o peso do aspecto emocional envolvido no "estilo" japonês podem ser encontradas no livro de Mauray (A Vez do Empresário Japonês. Edições Loyola). Deve-se ressaltar que, em nenhum momento, os enfoques físico e lógico são descuidados na abordagem japonesa.

Scherkenbach (O Caminho de Deming para a Melhoria Contínua. Editora Qualitymark) tem se dedicado a interpretar e aplicar as mudanças revolucionárias preconizadas pela Gerência da Qualidade Total, através dos ensinamentos de Deming (Qualidade: A Revolução da Administração. Editora Marques-Saraiva). O autor propõe uma síntese operacional entre filosofia e ciência e analisa em detalhe as mudanças nos níveis físico, lógico e emocional necessárias para a realização de mudanças realmente profundas. É importante ressaltar que quando profissionais da área de ciências exatas falam em mudanças, geralmente destacam o aspecto físico e, parcialmente, o aspecto lógico (que depende de conhecimento de epistemologia). Já os profissionais da área de ciências humanas geralmente enfatizam as mudanças de natureza emocional. Em ambos os casos não haverá mudanças profundas.

Cada um desses profissionais, atuando de forma independente sob os paradigmas de suas respectivas especialidades poderá atuar como verdadeiro empecilho às mudanças que o momento exige. Tampouco seria encontrada a solução ideal pela simples justaposição dos mesmos. Na maioria das vezes os seus campos de especialidade distanciaram-se tanto que não há mais linguagem comum entre eles. Os responsáveis pela direção das mudanças necessárias poderão vir de quaisquer áreas do conhecimento, desde que tenham uma adequada compreensão do Saber Profundo (Veja as obras de Deming e Sherkenbach, já citadas). Especificamente, precisam aprender a usar, de forma integrada: Teoria dos Sistemas; Teoria da Variabilidade; Teoria do Conhecimento e Psicologia, além de aprenderem a integrar os níveis físico, lógico e emocional nos processos de mudança de que participem.

Outro aspecto a considerar refere-se à procura do equilíbrio entre a dependência e a independência entre as pessoas dentro das organizações e entre as organizações. O estilo japonês, por exemplo, caracteriza-se pela extrema interdependência, enquanto o estilo americano, tradicionalmente adotado no Brasil, ressalta a independência total, incentivando o individualismo e a competição interna. Parece ser mais adequado para a situação brasileira um posicionamento intermediário entre a interdependência e a independência dentro e entre as organizações. A dependência em relação ao cliente é, entretanto, necessária à sobrevivência e à melhoria contínua. Temos muitos exemplos de organizações que, sentindo-se independentes em relação ao cliente, promovem verdadeiros festivais de desperdício.

A abordagem à mudança conforme apresentada pressupõe uma poderosa síntese entre filosofia e ciência, criando as condições objetivas para que o ser humano possa realizar o seu potencial e viver uma vida significativa. Seria desejável que essas mudanças ocorressem de forma natural, a partir de decisões baseadas apenas no desejo de servir melhor ao próximo, mas o que se observa, na realidade, é que dependem do confronto consciente dos interesses dos clientes, dos empregados, dos acionistas e da sociedade. Não havendo demanda ou competição para atender às necessidades dos diversos públicos envolvidos com as organizações, tudo mudará para continuar como sempre foi!

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