terça-feira, 12 de maio de 2009

Qualidade e justiça

Não há quem saiba definir qualidade objetivamente, embora qualquer um saiba quando se está diante dela. O mesmo é válido para justiça. O dicionário Aurélio afirma que justiça é “conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um aquilo que é seu”, o que implica fazer valer o Código de Defesa do Consumidor, entre outros instrumentos legais. No caso da sobrevivência no mercado competitivo, é necessário ir além do cumprimento dos quesitos obrigatórios, e oferecer uma qualidade atrativa, capaz de encantar o cliente. A garantia da qualidade, quando não oferecida voluntariamente, é uma questão para a Justiça.

Na Grécia antiga, a capacidade de diálogo de Sócrates forçou o sofista Trasímaco a explicitar sua visão de justiça, fazendo-o ficar nu diante do público a quem usualmente enganava com suas artimanhas semânticas: “(...) – Eu declaro que a força é um direito, e que a justiça é o interesse do mais forte. (...). Ora, quando um homem tirou o dinheiro dos cidadãos e os transformou em escravos, em vez de ser chamado de trapaceiro e ladrão, ele é chamado de próspero e é abençoado por todos. (...). ” Para Trasímaco, aqueles que são contra a injustiça não o são por serem, eles mesmos, justos, mas por não serem os beneficiários da injustiça. Por outro lado, Nietzsche afirmou que, “com o aumento da competição, a qualidade torna-se mera aparência, vencendo aquele que melhor engana”. Sente-se na pele que os que vivem de enganar deturpam a justiça e engendram a má qualidade de vida.

Um advogado contou a um amigo meu algumas de suas experiências naqueles tempos em que o Brasil estava mais distante da justiça e da qualidade. Afirmou que, apesar de ser ateu, salvava as aparências como religioso, usando a Bíblia para emocionar, enganar e amedrontar subliminarmente cristãos ingênuos. Ele descreveu em detalhes algumas de suas atuações magistrais, capazes de condenar o inocente e absolver o culpado. Ressalvou que uma de suas estratégias para vencer consistia em excluir do júri, sempre que possível, as pessoas que tivessem lucidez e independência para compreender e rejeitar suas manhas. Enfim, meu amigo teve uma clara demonstração de que, no plano formal, a Justiça precede e dá sustentação à qualidade, mas que, no plano real, somente uma filosofia da qualidade pode fazer a Justiça funcionar bem. E isso implica a existência de homens justos.

Meu amigo percebeu que, para agir como cidadão, deveria associar um senso de qualidade a um senso de justiça. Para tal, adotou, entre outras, as seguintes estratégias: i) cercar-se de bons e justos profissionais do direito, ii) adquirir conhecimento histórico; iii) dominar as artimanhas da retórica para defender-se dos sofistas; iv) refinar sua inspiração criadora e sua coragem de agir. Na sua opinião, a construção de um Brasil digno deve partir do princípio da “conformidade com o direito e da decisão de dar a cada um aquilo que é seu”, mas isso não é suficiente. Em verdade, é necessário buscar superar as obrigações legais, e desenvolver um senso de responsabilidade para que a qualidade possa ser possível sem os formalismos da Justiça e que esta não se transforme numa trincheira para a defesa do direito mal adquirido.

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